Temos vindo a assistir a uma sucessão de artigos na imprensa, de grupos em redes sociais e de discussões em canais de televisão sobre a dieta paleo, a sua implicação na saúde e no bem-estar das pessoas. Neste artigo saiba tudo sobre este modo de vida.

O que é a dieta Paleo

O conceito de dieta Paleo começou a germinar no final do séc. XX, tendo sido inicialmente elaborado em 1945 pelo gastroenterologista Walter Voegtlin. Viu a sua popularidade crescer em 2002 quando Loren Cordainm registou a marca “Palet Diet”, utilizando também expressões homónimas como “Caveman Diet” ou “Stone-Age Diet”.

Robb Wolf, um dos maiores seguidores da dieta Paleolítica, relembra que, considerando o tempo total da existência humana, 99,5% desse tempo equivale aos anos em que adotámos uma alimentação paleolítica, enquanto que o tempo que vivemos depois da revolução industrial constitui apenas 0,5%.

Isto quer dizer que o corpo humano está muito bem-adaptado à alimentação do paleolítico, não tendo tido ainda tempo para se adaptar à revolução agrícola, que é muito recente em termos evolutivos.

A agricultura pode ter mudado a nossa dieta e estilo de vida, mas ainda não mudou a nossa genética.

De facto, o Homem das Cavernas que viveu há mais de 300 gerações era geneticamente muito semelhante ao Homem atual. O ADN de ambos é praticamente igual e as enzimas digestivas são as mesmas.

Os seguidores da dieta Paleo fazem escolhas alimentares baseadas nos alimentos que o homem do Paleolítico tinha ao seu dispor: vegetais, sementes, tubérculos, frutas, peixe e alguma carne.

Quais as diferenças entre a dieta Paleo e a alimentação dos nossos dias?

Onde está então a diferença entre aquele ser da Idade da Pedra e os habitantes da Terra do séc. XXI? Aquilo que nos separa é, tão-somente, aquilo que comemos e o ambiente onde vivemos. E tudo começou a alterar-se nos finais do séc. XIX. A mecanização da agricultura e a Revolução Industrial provocaram mudanças radicais na alimentação da espécie humana. A introdução dos cereais na dieta e a necessidade de massificação da produção de alimentos para atender às necessidades da imensa massa humana que saía dos campos para as cidades levaram ao aparecimento de uma indústria agroalimentar que não olhou a meios para produzir em quantidade por forma a satisfazer a procura.

Surgem então os alimentos processados, derivados, alterados, compostos, açucarados, salgados – muito diferentes dos que existiam na dieta Paleo.

Com esta revolução, à dieta Paleo ancestral juntaram-se as batatas, o leite e seus derivados, os cereais e as leguminosas. Tudo isto é uma novidade para o corpo humano que não tardou a reagir a esta invasão de inovações. E esta reação está cada vez mais evidente nos dias de hoje. Prova disso é o acentuado aumento de complicações como obesidade, diabetes, cancro, doenças do coração, doenças crónicas e degenerativas, depressão e infertilidade.

Para muitos cientistas, o alto rácio sódio/potássio existente nos alimentos processados, enlatados, pão, charcutaria e alimentos industrializados é o responsável pela incidência de numerosas doenças.

A equipa de Jansson B. publicou vários estudos que relacionam a incidência de cancro com os baixos valores de potássio. Igualmente, muitos estudos mostram os efeitos adversos da ingestão de altas concentrações de sal (cloreto de sódio – NaCl), que acabam por se acumular nos tecidos. A existência destes reservatórios relaciona-se diretamente com problemas como:

  • Inflamação crónica
  • Múltiplos cancros
  • Doenças autoimunes
  • Doenças cardiovasculares

Nunca a medicina evoluiu tanto como no séc. XX, em consequência do estado de doença cada vez mais generalizado do género humano, mas a atual abordagem na doença cronica não está a reduzir a incidência e mortalidade. Os nossos hospitais não têm cada vez mais doentes. Será que o caminho deve ser o mesmo seguido nos últimos anos, cujo objetivo é reduzir os sinais e sintomas? Não deveríamos focar na prevenção, identificação e eliminação da causa das doenças crónicas? Porque continua a aumentar a fatura do Serviço Nacional de Saúde?

Quais as vantagens da dieta Paleo

É hora de tratar da saúde. Temos de devolver ao homem tudo aquilo de que ele necessita para viver saudavelmente. É tempo de comermos aquilo que queremos ser.

dieta Paleo é a solução correta para alterar esta situação, já que permite reduzir a incidência de doenças crónicas e outras que aparecem de forma avassaladora nas sociedades modernas. Permite um emagrecimento rápido e saudávelredução de glicemia e níveis de insulina, e a redução de riscos de doenças cardíacas e doenças crónicas. Cada vez mais, a dieta Paleo se assume como uma dieta com um enorme poder curativo.

Mas esta dieta não é, nem pode ser, igual para todos. Cada pessoa tem necessidades orgânicas próprias e muito específicas e, por isso, deve adaptar a sua alimentação à sua fisiologia.

A dieta Paleo é também um modo de vida

Além da alimentação devemos também respeitar a nossa essência genética para podermos prolongar a vida e evitarmos doenças.

Devem ser implementadas medidas que visem a redução do stress crónico, aumento da exposição solar e exercício físico, melhorar a qualidade e quantidade de sono.

Evite também a exposição a produtos químicos, poluentes, tóxicos, conservantes e aditivos alimentares.

Limite a ingestão de medicamentos aos que são realmente necessários.

Suplemente-se, uma vez que os alimentos dos dias de hoje não contêm a mesma concentração de nutrientes. Omega 3, probióticos, minerais e vitaminas do grupo B e vitamina D são suplementos absolutamente essenciais.

O que pode comer na dieta Paleo:

  • Carne (de preferência vinda de animais de pastagens Bio e não de animais alimentados com rações)
  • Peixe, mariscos, moluscos
  • Frutas frescas da época e proximidade (de preferência BIO)
  • Vegetais frescos da época e proximidade (de preferência BIO)
  • Ovos
  • Frutos secos e sementes
  • Gorduras saudáveis (azeite, óleo de coco, óleo de macadâmia)
  • Tubérculos (como batata-doce e inhame)

O que não pode comer na dieta Paleo:

  • Grãos e cereais (farinhas de cereais)
  • Leguminosas (como feijão, grão)
  • Leite e laticínios
  • Açúcar refinado
  • Alimentos industrializados, pré-cozinhados e de forma geral todos os que compramos já embalados.
  • Óleos vegetais refinados (óleo de soja, milho, girassol, canola, margarina)
  • Doces, fritos, fast-food, refrigerantes

A “zona” cinzenta, ou seja, os alimentos que suscitam polémica entre os defensores da alimentação Paleolítica, ou que não devem ser ingeridos diariamente é constituída por:

  • Leguminosas (Grão, feijão, etc.)
  • Batatas e outros tubérculos
  • Cacau
  • Vinho
  • Produtos lácteos ricos em gordura (como manteiga e ghee).

Alguns erros cometidos vulgarmente na dieta Paleo dos nossos dias:

Variabilidade – No paleolítico havia muita variedade na alimentação, contudo, muitos dos seguidores da dieta Paleo têm dificuldade em variar. É necessário variar e introduzir diariamente alimentos diferentes e respeitar a origem e época do ano.

Forma de cozinhar – a forma como cozinhamos deve respeitar as temperaturas de desnaturação dos alimentos. Cozinhar a baixas temperaturas permite que os alimentos mantenham os seus nutrientes intactos e por isso com maior densidade. Devemos sempre incluir legumes e vegetais, de preferência BIO, e crus.

Ph – Deve ser respeitado o equilíbrio ácido / base das refeições. Aos alimentos acidificantes como a carne e peixe devemos adicionar uma generosa quantidade de legumes e vegetais frescos, de preferência Bio, e crus ou cozidos a vapor.

Jejum – Respeitar algumas horas de jejum ou, em alternativa, jejuar 1 dia na semana.

Sal – A alimentação no Paleolítico era pobre em sódio e rica em potássio, sendo que a concentração em potássio que os alimentos forneciam era entre 5 a 10 vezes maior do que a concentração em sódio. Nos nossos dias o sal está espalhado e escondido por todo o lado e ingerimos muito mais sódio do que potássio. Em média, os alimentos que fazem parte do nosso dia-a-dia fornecem 3,584 mg de sódio (Na+) e 2795 mg de potássio, o que corresponde a um rácio Na/K de 0,77. Para muitos cientistas esta é uma das principais razões do aumento exponencial de doenças nos nossos dias.

Os seguidores da dieta Paleo devem, por isso, eliminar o consumo de sal e utilizar apenas flor de sal, que é rico em todos os minerais e respeita o rácio K/ Na. Estudos mostram que a alteração neste rácio pode estar na origem das doenças mais comuns da atualidade, como:

  • Iniciação e promoção de cancro
  • Inflamação crónica
  • Desregulação do sistema imunitário inato e adaptativo
  • Doenças autoimunes
  • Doenças cardiovasculares por síndrome endotelial

Enchidos, charcutaria e carnes processadas – Os enchidos e charcutaria dos nossos dias, apesar de elaborados a partir da carne, não respeitam a dieta Paleolítica. A forma como são preparados, com todos os conservantes e sal necessariamente usados, fazem deles alimentos proibidos.

Lácteos – O ser humano é o único mamífero que consome leite em adulto e com a agravante de consumir leite de outra espécie. O homem só começou a beber leite há 10 mil anos, fenómeno recente considerando a historia da Humanidade. O início deste consumo coincidiu com a alteração da vida nómada para sedentária, ou seja, quando deixou de ser recolector e iniciou a atividade de agricultor. No entanto, o genoma humano não mudou. Essa é uma mutação que demora milhares de anos. As profundas alterações ambientais que ocorreram nos últimos 10 mil anos e que se iniciaram com a agricultura são demasiado recentes, numa escala evolutiva, para que o genoma humano se tenha adaptado. O consumo de leite tem sido, nos últimos anos, associado a doenças cardiovasculares, síndrome metabólico, diabetes e osteoporose. Recentemente, os cientistas identificaram o mecanismo pelo qual o leite de vaca pode estar também relacionado com a inicialização e promoção de alguns tipos de cancro, como o da próstata. É possível que o mesmo mecanismo esteja na base de outros cancros que dependam de recetores hormonais.

Leguminosas – As leguminosas são alimentos que não fazem parte da lista defendida pela maioria dos seguidores da dieta Paleo. No entanto, aparecem agora alguns estudos contraditórios que mostram que, de acordo com a análise à placa dentária Neandertal, estes homens primitivos comiam variedades selvagens de favas e ervilhas, o que põe em causa a exclusão das leguminosas da lista dos alimentos permitidos. Recentemente, alguns investigadores como Stephan Guyenet, defendem que o homem do Paleolítico se alimentava também de leguminosas selvagens.

As leguminosas possuem substâncias consideradas anti alimentos, como a lectinas e o ácido fítico (também conhecido como fitato), o que as torna potencialmente nocivas.

As lectinas são substâncias que não digerimos e que se acumulam nos intestinos, podendo contribuir para a sua inflamação, eventual alteração da permeabilidade (Leaky Gut) e alteração das respostas imunitárias relacionadas com a placa de Peyer, que funciona como sensor do sistema imunitário no intestino.

A concentração de substâncias fermentáveis, FODMAPS (mono, di e poliois fermentáveis) é, provavelmente, um dos principais motivos pelos quais alguns alimentos como as leguminosas, alho, cebola, algumas frutas e vegetais provocam inchaço abdominal e gases.

No entanto, para a maioria das pessoas, a forma como são cozinhadas as leguminosas pode neutralizar o seu efeito irritativo.

Deixar de molho durante cerca de 18 h, cozinhá-las na panela de pressão trocando a água a meio da cozedura, ou cozê-las com um pouco de alga Kombu são medidas que eliminam os resíduos de lectinas e diminuem, por isso, a sua ação.

Estas lectinas existem também em algumas frutas, legumes, especiarias e outras plantas comumente consumidas, incluindo cenouras, courgette, melão, uvas, cerejas, framboesas, amoras, alho e cogumelos.

No entanto, as leguminosas constituem uma excelente fonte proteica e, ingeridas esporadicamente, poderão contribuir para uma maior diversidade alimentar. Muitos outros alimentos aceites na dieta paleolítica têm também quantidades razoáveis de lectinas, como os cogumelos e algumas frutas.

Por estas razões, sou adepta da introdução de leguminosas na dieta Paleo, com as seguintes restrições:

  • Máximo 1 vez por semana
  • Apenas se não necessitar de perder peso
  • Cozer de acordo com o explicado anteriormente
  • Apenas se não for demasiado sensível e se não sentir efeito com o método de cozedura aconselhado.

Excesso de carne – Se a filosofia é respeitar o nosso ADN, então também devemos reduzir o consumo de carne. No paleolítico o homem não comia carne 2 vezes por dia. Apesar da proteína animal ser importante, o excesso é perigoso. A carne aporta metionina em grandes quantidades, um aminoácido que, sendo muito importante, em excesso pode ter efeitos negativos no sistema cardiovascular. Este aminoácido está implicado no metabolismo da homocisteína, que se sintetiza como produto intermedio do metabolismo da metionina por ação da enzima metionina adenosil transferasa (MAT). A homocisteína induz dano endotelial direto por produzir peróxidos que induzem alteração das células endoteliais e alteração da agregação plaquetária.
Se o seu Grupo sanguíneo não for o O, então limite a carne vermelha a apenas 1 vez por semana.

Porque a dieta Paleo funciona?

A dieta paleolítica funciona porque:

  • Respeita a nossa genética;
  • Elimina ou reduz alimentos que inflamam e que provocam alergias;
  • Controla os níveis de glicose e insulina, reduzindo a resistência periférica à insulina;
  • Restabelece e equilibra os níveis de saciedade e fome;
  • Permite uma boa digestão e absorção dos alimentos;
  • Respeita e fortalece a flora intestinal (variedade e quantidade);
  • Altamente saciante, permitindo a redução do número de refeições diárias.

Referências:

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Dra. Alexandra Vasconcelos
Farmacêutica e Naturopata
Especialista em Medicina Natural Integrativa
Pós graduada em Nutrição Oncológica, Nutrição Ortomolecular e Medicina Integrativa e Humanista
Autora do Livro “ O segredo para se manter Jovem e saudável”
Diretora técnica das Clínicas Viver